Pensei em escrever aqui neste blog (que tem como objetivo principal mostrar que é possível usar a bicicleta para se locomover em São Paulo sem perder a elegância) tudo aquilo que me desgostou, chocou e desapontou. Mas depois de ler num post do Facebook o texto abaixo, muitíssimo bem escrito por Maximilian Frederick Leisner, resolvi, respeitosamente, fazer minhas as palavras dele.
Faço apenas um adendo para registrar meu profundo desapontamento com os colegas de bancada de Monica que, como vacas num presépio, apenas balançaram suas cabeças em concordância e riram-se como hienas. Que vergonha!
"Carta Aberta à Sra. Mônica Waldvogel
Prezada Sra. Waldvogel,
A semana que passou foi particularmente pesada para as pessoas que, como aquele amigo ao qual a senhora se refere no vídeo que tive a infelicidade de assistir hoje pela manhã, consideram a bicicleta como um meio de transporte, de vida saudável e de desenvolvimento urbano sustentável. Dois desses risíveis sonhadores - um com 21 e outro com 41 anos - foram atropelados e mortos em menos de 24 horas. O primeiro vítima de um motorista embriagado, e o segundo supostamente de um caminhoneiro que dormiu ao volante.
Em ambos os casos, podemos argumentar que as mortes foram acidentais, já que ninguém, por mais embriagado ou sonolento que esteja, desejaria matar uma pessoa. Logicamente que isso não exime a responsabilidade dos motoristas, e muito menos traz de volta à vida os ciclistas mortos. Mas fica, lá no fundo, aquela sensação de que se os condutores estivessem em pleno domínio de suas faculdades mentais, tudo poderia ter sido evitado.
Entra em cena - literalmente - o vídeo mencionado acima. Depois de assistí-lo várias vezes - primeiro para ter certeza de que aquilo que eu pensei ter ouvido realmente foi dito, e depois para ter certeza de que não foi desdito - minha primeira reação foi torcer para que o que vi tenha sido uma infelicidade de edição, daquelas em que só nos é mostrado o conteúdo podre, visando confundir a percepção do ouvinte ou prejudicar a imagem do interlocutor. Se esse for o caso, minha retratação virá prontamente - assim que o conteúdo integral for apresentado.
Se não for, então me vejo obrigado a estender um pouco essa cartinha, não tanto com a pretensão de que a senhora chegue a recebê-la, mas mais como catarse. Afinal, com os dois ciclistas que morreram eu só posso falar em pensamento. Para os familiares deles, não teria palavras. Mas para as suas declarações, e principalmente para o seu comportamento enquanto elas foram feitas, eu tenho muitos pensamentos, muitas palavras, e nenhum impedimento para externá-los.
Em primeiro lugar, a senhora deixa claro que em sua opinião a bicicleta não é um meio de transporte. Aí vem minha primeira dúvida: se eu vou de casa para o trabalho de bicicleta, como fazem milhares de pessoas por opção ou necessidade no Brasil e outros milhares mundo afora, e ela não é um meio de transporte, o que é então - além é claro de um obstáculo no caminho de motoristas bêbados, sonolentos e apressados? Ou de motivo de ironias, chacotas e piadas em rodinhas de bate-papo de gente inteligente e valente como a senhora, que munida apenas de um Ipod enfrenta engarrafamentos gigantescos?
Enquanto a sua resposta não vem, eu tenho a minha, inspirada nesse mesmo vídeo.
A bicicleta é a muleta do ciclista, que por sua vez é um animal com necessidades especiais de locomoção. Para esse animal, o carro, que seria a opção in, não serve. Ele realmente tem necessidades especias, tipo fazer exercício, sentir o vento no rosto, contribuir com o desenvolvimento urbano sustentável (eu sei, eu sei, isso é uma ameaça séria para os amantes de engarrafamento, mas....), diminuir a conta de combustível (eu sei, eu sei, quem pode comprar um Ipod nem sabe o preço do litro da gasolina, mas....) e outras tolices de eco-chatos e demais formas de existência nocivas ao bem estar do cidadão comum.
Na verdade, se a bicicleta não for isso, seria ótimo que passasse a ser. Porque nesse caso, de cara, duas coisas ótimas iriam acontecer:
1) na qualidade de portadores de necessidades especiais de locomoção, os ciclistas teriam direto à vagas privilegiadas em supermercados, bancos, escolas e nas ruas. E a partir daí a polícia não precisaria mais ser mobilizada para arrombar cadeados de bicicletas presas à postes de luz;
2) na qualidade de animais, os ciclistas passariam a ser protegidos por associações, instituições e similares, e poderiam trafegar pelas ruas sentindo-se assimilados pela comunidade ao invés de expurgados.
Mas, francamente, não tenho muitas ilusões a esse respeito. Como a senhora mesmo diz, "já imaginou hi hi hi um bando de paulistanos ho ho ho indo trabalhar de bicicleta rá rá rá?" É, não dá pra imaginar. Se isso acontecesse, o Brasil - ou São Paulo ao menos - transformar-se-ia subitamente numa Amsterdam, numa Copenhagen ou numa Minneapolis - que como todos sabemos são lugares de péssima qualidade de vida, haja visto a probabilidade cada vez menor de engarrafamentos (onde escutar música então, oh céus??). E quem, em sã consciência, poderia desejar isso?
Alias, "como a senhora mesmo diz" é realmente o grande motivo que me traz ao teclado. Monica Waldvogel, quer eu concorde, goste, acredite ou não, é uma formadora de opinião. E como tal, suas palavras tem um eco que vai além do seu universo particular. O que é dito por formadores de opinião vai adiante, vai fundo, e principalmente hoje em dia, vai rápido. Ergo, pessoas que assistiram ao seu singular e risonho depoimento acerca da total inutilidade da bicicleta como meio de transporte, e por consequência da imbecilidade de quem insiste em utilizá-lo como tal, podem acabar influenciadas por esses conceitos.
E se isso acontecer, a senhora para mim é responsável por delito muito maior do que os atropelamentos acima. A senhora, ao ridicularizar o ciclismo como movimento urbano digno de respeito, atropelou não um, nem dois, mas centenas de milhares de indivíduos que usam a bicicleta por prazer ou necessidade. Sabe por que? Por que estava (até que se prove em contrário) sã! Passava no teste do bafômetro, não parecia sonolenta, e muito menos arrependida do que falou. A senhora atropelou o ciclismo e todos os ciclistas brasileiros olhando para uma câmera de televisão, sabendo que estava sendo filmada, e depois, rindo esganiçada, deu a ré e passou por cima de novo.
O seu trunfo é um só: ao contrário dos motoristas, cujo mal foi feito e não pode mais ser desfeito, a senhora tem como voltar atrás. Não precisa mudar de opinião - não é esse o ponto. A senhora pode, deve, e tem todo o direito de defender-se de engarrafamentos e da chuva dentro de um carro sequinho com som ambiente. Mas reforçar essa verdade e esse direito não implica em fazer daqueles que optam por pedalar em duas rodas a céu aberto - mesmo correndo o risco de tomar chuva (éca!) - motivo de chacota.
Acredito que o mundo seja grande o bastante para que cada um tenha garantido o seu espaço e o respeito às suas preferências. Olhando para a linha do tempo e ao redor do nosso espaço, imagino que os animais com deficiência de locomoção apoiados sobre suas muletas de duas rodas - esses bípedes defeituosos porém teimosos - acabarão transformando seu universo à imagem, por exemplo, da Holanda. Lá serão felizes, indo e vindo sob o sol ou sob a chuva, com seus meios-de-seja-lá-o-que-for
Amanhã, apesar do medo, da tristeza e de um certo inconformismo, vou pedalar. Quem sabe quando voltar para casa não encontrarei na caixa de mensagens um outro vídeo seu, que embora não traga de volta os ciclistas mortos terá o poder indescritível de restaurar a dignidade que as suas palavras e atitudes roubaram daqueles que ficaram e dos que ainda virão.
Sem mais,
Maximilian Frederick Leisner
Ciclista amador, pai de família e, por hora, cidadão inconformado."
Se você ainda não viu o video, veja aqui.
5 comentários:
A melhor resposta possível. Parabéns pela clareza de pensamento e pela capacidade de colocar tantas coisas relevantes em relação ao assunto numa nota só.
Oi, Leo.
Agradeço seu comentário, mas reforço que a carta foi redigida por Maximilian Frederick Leisner e não por mim.
Ele, sim, teve presença de espírito, clareza e racionalidade para listar e analisar todas as questões relevantes desse tema.
Bjks
Fernanda
Fernanda,
O comentário do Maximilian foi muito bem colocado.
A Monica, como formadora de opinião, deveria respeitar as escolhas de cada um e não tratar de maneira desdenhosa.Muito deselegante da parte dela.
Parabéns por ter colocado este comentário em seu blog.
Terezinha
Não quis ver o video para nao ficar mais inconformada.... Isso prova que quanto mais uma pessoa de julga inteligente e culta, mas ignorante ela é... E a Waldvogel provou que é igorante em todos os sentindos.... ao rir do amigo, ao debochar dos ciclistas e por achar que carro com conexao Ipod e a solução.....
Como diria minha avó: ela nova, um dia vai aprender.....
Faço minhas as tuas e dele. Na Via Montenapoleone, Via Manzoni, Via della Spiga, Via Sant’Andrea, aqui se concentram as griffes mais desejadas do mundo. Imperdível! Mesmo se for só para ver as novidades da moda de Milão! Os desfiles de Milão, as feiras de moda, as tendências, o que vai virar a cabeça das mulheres... está em Milão!
Bicicleta, liberdade, boa saúde e bom humor combinam bem. A bicicleta evoca sempre imagens de liberdade e de ardor e desperta a mesma simpatia em todos os países da União Europeia. O que me preocupa é a total ausencia do respeito, de uma deslocação respeitosas do ambiente urbano. Quanto a elegancia..sincera e honestamente vou convidar a Monica a ficar uns dias aqui em casa e girar de bici por toda a Milano..quem sabe assim ele entenderia dois conceitos básicos. Vamos lá.. Bici combina com sapatos, bolsas, até coleiras de cachorros.. com ,Prada, Stella McCartney..com um pouco de tudo; roupas de Balenciaga, Hussein Chalayan, Angelo Figus e Alberto Biani, objetos de decoração, perfumes, e até um caffè.Só nao combina mesmo é com cegueira moral sem fundamento sério. escrevo muito mal mas isso aqui me irritou!!! Falo com propriedade ( minha bici).UFA!
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