Aline, minha amiga ciclista, me alertou pelo Twitter de um texto bastante preconceituoso que teria sido publicado pela Barbara Gancia na Folha de S.Paulo e que reproduzo abaixo.
"Em 3 de setembro, minha sis Renata Falzoni será agraciada com a medalha José de Anchieta por sua luta para transformar a bike em meio de transporte.
Os Falzoni são uma gente extremamente inteligente e inquieta e nenhum jamais possuiu qualquer traço de mediocridade. Mas Renata tanto fez que conseguiu tornar-se uma excêntrica mesmo dentro desse núcleo familiar bastante incomum.
Mãe da Tati, 29, e avó da Giulia, 7, e do Caio, cinco meses, quem a conhece de suas transmissões pela ESPN (feitas com câmeras que ela mesmo adapta para usar no capacete), logo percebe nela uma coisa assim meio Vivienne Westwood de ser. Mas eu, que convivi com a Renata como vizinha na infância do Jardim Paulista, posso garantir que seu interesse não está em qualquer movimento de vanguarda.
E que apesar do ar andrógino que cultiva, Renata sempre foi uma heterossexual convicta. Pior. Sempre sofreu de amores por homens que eu considero nada menos do que repugnantes (algo me diz que este comentário vai me meter em apuros).
Renata vira e mexe dá as caras na minha casa às sete e meia da matina, lépida e falante, puxando meia dúzia de cães sem raça definida na coleira, que lembram um pouco um seu namorado inglês que já passou desta para melhor. Invariavelmente, ela me obriga a levantar da cama e ir atrás de sua cabeleira "fogo selvagem" para onde for, o que faço em estado de quase narcolepsia, mas não sem me perguntar quando é que a ficha vai cair de que dona madame Falzoni está prestes a completar 57 anos e que a maioria das senhoras de meia idade não anda por aí escalando o Aconcágua de bicicleta nem se digladiando para fazer a bike tomar o lugar do automóvel.
Há algo de heroico na sua militância. Pela persistência, pelo pioneirismo, mas, sobretudo, pela intransigência no compromisso conservacionista que assumiu desde o primeiro dia.
Isso não quer dizer que eu concorde com ela. A bicicleta deveria se apresentar como alternativa para quem não tem dinheiro, deveria ser a solução para despoluir, deveria ajudar a descongestionar o trânsito, mas, no caso de São Paulo, presta-se apenas a paliativos.
A fim de se proteger de um "inimigo" invisível, mauricinhos se juntam para pedalar à noite e atravancam os faróis como se fossem donos do mundo. Outra noite, na frente de um restaurante japa, tive de ouvir de um ciclista desses: "Vai acabar essa moleza! Cigarro e bebida têm os dias contados!" Pensei comigo: "E você vai cair daí e quebrar todos os dentes, seu nazista".
A Renata que me desculpe, mas a visão, nos fins de semana, daquela faixa da direita segregada por cones para uso exclusivo do ciclista não faz exatamente engrandecer a alma. A bicicleta a beira-mar ou na cidade do interior ganha outro sentido, mas em São Paulo ela não cabe com naturalidade. É preciso montar uma operação de guerra para acolhê-la e o ônus para a prefeitura é grande. Falzoni sabe disso tudo. Mas continua irredutível em seu cicloativismo, convicta de que, a longo prazo, a bicicleta é a melhor saída.
É uma postura nobre e, no fim das contas, eu sou uma mulher pequena e mesquinha. Digo mais: excluindo seu gosto para homens, queria ser metade da rapariga que a Renata é."
Como usuária da bicicleta como meio de transporte, acho que o texto foi preconceituoso e, pior, demonstrou pouquíssimo conhecimento da autora sobre o assunto. Minha sábia mãe sempre diz que "se você não sabe do que está falando, melhor ficar calada". Isso, com certeza, não passou pela cabeça da colunista ao escrever um texto tão infeliz.
Numa época em que as pessoas buscam maneiras de levar uma vida mais saudável e sustentável, e lutam por uma convivência mais pacífica no trânsito das grandes cidades, vejo que ainda temos muito trabalho pela frente para combater pensamentos retrógrados (e, pior, irados) como os expressados pela jornalista.
Vergonha alheia, Barbara, que vexame!
2 comentários:
O problema é maior, tenho sentido um crescente preconceito contra ciclistas aqui em São Paulo, justamente pela atitude arrogante dos bikers. Para que a gente possa ser respeitado temos que respeitar primeiro. No último domingo vi uma discussão exatamente sobre isso e a saída é que respeitemos o código nacional de trânsito. Simples assim. Quanto a Renatinha e a Barbara, conheço as duas pessoalmente há décadas e posso dizer que a matéria tem vários pontos verdaeiros.
Acho temerário generalizar como a Barbara fez em seu texto. Não são todos os ciclistas que saem por aí passando o farol vermelho ou xingando quem está na calçada.
Eu mesma discordei veementemente da última Bicicletada, pois ao final, quando entramos na Avenida Paulista, o grupo se dispersou e formou-se uma fila de ciclistas que iam ziguzagueando entre os carros, bem ao estilo motoboy.
Não acho que este seja um comportamento adequado nem para um nem para outro.
Sou a favor do respeito e da gentileza no trânsito, tanto com os motoristas, quanto com os pedestres, motociclistas e ciclistas.
São Paulo é uma cidade generosa que acolhe gente do mundo todo, então podemos dar o exemplo e acolher também meios de transporte alternativos e incentivar aqueles que optam por uma vida mais sustentável.
Mas tudo depende do indivíduo. "Quando você muda, a cidade muda".
Obrigada por seu comentário.
Fernanda
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